1.6.08
A criança portuguesa e a Publicidade: Quanto vale uma criança?
Quanto vale uma criança é o título da reportagem publicada hoje no jornal Correio da Manhã, realizada pela jornalista Maria Ramos Silva. Pelo seu interesse, fica aqui reproduzida a peça:
No tempo dela, os miúdos ouviam os Queijinhos Frescos. Hoje, Raquel Oliveira, directora de Marketing da Lemon, reconhece que as oportunidades de negócio são fisgadas ainda no útero da mãe. E exigem mais sal e pimenta do que a antiga trupe de Ana Faria. Esta empresa de produção e gestão de conteúdos de entretenimento infantil não hesitou ao lançar o CD ‘As Tuas Músicas’, que permite aos pais personalizar as músicas com o nome do seu rebento. 'Muitas grávidas, mal souberam o sexo e o nome do bebé, compraram o CD', recorda.
O produto, a 17,95 euros, vendeu mais de 15 mil unidades só no Natal de 2006. Além deste projecto, a Lemon detém ‘As Músicas do Noddy’ (mais de 30 mil unidades vendidas), ‘As Canções do Ruca’ e ‘As Músicas do Bob, o Construtor’, outros êxitos de venda, não fossem estes os heróis actuais. 'As crianças são grandes âncoras. O mercado discográfico está em queda mas a crise não afecta o segmento infantil. O adulto pode descarregar a música da net, a criança vive a parte física do CD.'
Mas a principal aposta da agência são os espectáculos ao vivo com personagens das séries de animação infantis, acontecimentos em voga, e com perspectivas de futuro, que têm chamado a atenção das marcas. Estas fazem parelha com as agências apostando na implantação e divulgação dos seus produtos.‘Noddy Live’, o ‘Bob o Construtor ao Vivo’, o ‘Ruca ao Vivo’ e ‘O Meu 1º Festival’. Todos atraíram largos milhares de espectadores. São investimentos 'entre os 400 e os 800 mil euros por projecto', diz Raquel.
Através de parcerias de media conseguem planos de comunicação, que integram TV, rádio, imprensa, outdoors, net e acções de comunicação especiais. 'Com os eventos para toda a família, as marcas têm retornos que nunca alcançariam com o mesmo investimento nos meios tradicionais'.
Se as crianças são o futuro, este chega cada vez mais cedo. Elas fazem parte da chamada ‘now generation’, ou ‘geração agora’, imediata, informada e confiante. De acordo com os estudos do consultor e investigador James McNeal, o ‘pai do marketing infantil’, nos EUA as crianças influenciam cerca de metade das compras familiares de rotina, enquanto que na China cerca de 70%. De um modo geral, a intervenção é maior nos produtos comerciais que regularmente consomem como comida, roupa e brinquedos. Mas influenciam de igual modo em bens duráveis como automóveis, computadores e televisões. Porque também são utilizadores ou virão a sê-lo.
'A maior parte do mercado nacional apercebeu-se do potencial económico do target crianças há relativamente pouco tempo. A criança tende a ser menos racional nas escolhas, o que resulta num cliente mais leal às marcas. É também o mais honesto. Se não gosta demonstra-o', conclui Raquel.
Para a MKids, a proximidade da comunicação entre marcas e famílias é também a prioridade. 'Prestamos atenção ao mercado e propomos acções de comunicação. Comunicamos para as crianças, ou para os pais, quando são mais pequenas', explica Marta Vian Santos. Quanto às marcas que trabalham, não são uma novidade para o público de palmo e meio: Olá, Golden Grahams, Sumol, Chupa Chups, Royal e Família Galaró entram na lista. 'Vários estudos dizem que as crianças influenciam mais nesta ou naquela área. Aos cinco, seis anos, já têm imensa informação'. Não é fácil quantificar o retorno em números, mas há indicadores óbvios do sucesso ou fracasso da comunicação. 'Fazemos o lançamento de um produto pelo País. Se lá voltarmos no ano seguinte as crianças já reconhecem a marca. Numa feira podemos ter uma empresa que investe 100 mil euros ou uma empresa com um só balcão que gasta 1500 euros.'
Quando eles crescem e as atenções se precipitam para os ecrãs dos computadores, a forma de sedução muda de cara. Sites como o MySpace ou Facebook, dominados como ninguém pelos pré-adolescentes, tornam-se um veículo muito desejado pelas marcas e marketeers. 'As crianças influenciam o mais possível. Até aos 14 anos ainda há um elo de ligação com os pais. De início diziam-me que este nicho era complicado mas esta faixa estava esquecida e é superimportante na decisão familiar', explica a directora da revista Giggle, Cláudia Sousa.
A pensar nos ‘tweens’ ou pré-adolescentes, uma faixa intermédia que abrange todos os que se sentem ‘quase crescidos’, a publicação surgiu em simultâneo em dois formatos: a versão papel e em modo on-line 'Não fazia sentido ter só uma revista quando eles tratam a internet por ‘tu’. É um conceito inovador. Falamos para os miúdos entre os 8 e os 14 anos.' Tal como na música, os mais novos voltam a ser a bóia de salvação em tempos de crise. Apesar da quebra nas vendas das publicações infanto-juvenis, segundo a Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação, projectos como a Giggle, lançada no final de 2007, vão dando frutos. Com periodicidade mensal na versão impressa (não sai apenas em Janeiro) e a um preço de dois euros, instalou-se também no portal Clix há menos de um mês. Sugere passeios em família, lança modas, disponibiliza passatempos e apresenta produtos, entre outras actividades.
O apelo das marcas está omnipresente. Os pais dão-lhes ouvidos dentro da lógica da compensação. 'Há algum sentimento de culpa. Os pais fazem por agradar', acredita Cláudia. Nas acções de campo, as marcas entram no terreno a todo o gás. 'Em ateliês de rua ou lojas ligamo-nos à Nickelodean, Bertrand ou Holmes Place. Também temos marcas de forma invisível, casos da Dyrup, Optimus ou Zon'.
Agora imagine-se na televisão, numa série de culto como os ‘Morangos com Açúcar’. Quando a ficção salta dos ecrãs para o merchandising, agências de marketing infantil como a Zero a Oito, orientada para as publicações, licenciamentos, eventos, promoções e projectos dirigidos às escolas, entram em acção. 'Como agentes fazemos todo o serviço para definir o target e para desenvolver negócios paralelos. As marcas tentam sair da TV e desdobrar-se', refere a directora-geral Maria Morais Leitão. Desdobram-se em mochilas, t-shirts, livros e tudo o mais que se possa imaginar. Kits completos que entram na lista de solicitações dos filhos dirigidas aos pais. 'Existe a noção de que este target é muito exigente, informado e com espírito crítico'. Sem avançar números, não é difícil prever que quando há sucesso na caixinha mágica, também o há cá fora, apesar do retorno variar de marca para marca. 'Só existe se a marca vender. As nossas têm bons resultados', confia Maria. Quanto à agência, 'recebe uma percentagem variável do negócio dos royalties'.
Ainda na velha caixinha mágica, a publicidade faz pontaria à programação de teor infanto-juvenil. Nos canais generalistas, é encaixada nas manhãs e fins-de-semana. A RTP 2 é o canal que mais espaço dedica a este alvo. A SIC aposta na popular ‘Floribella’ e no ‘SIC Kids’. Aos sábados e domingos, divide-se entre este programa, o ‘Disney Kids’ e a novela ‘Chiquititas’. A RTP 1 aposta no ‘Espaço Infantil’, e a TVI emite ‘Wrestling’, a coqueluche do momento. No cabo proliferam os canais orientados para as faixas mais jovens, como o Panda, entre os cinco mais vistos da tabela de audiências, o Cartoon Network, o Nickelodeon e o Baby TV (dedicado a bebés com idade inferior a 3 anos), estes disponíveis através do pacote Funtastic Life da TV Cabo. O Disney Channel mantém-se no serviço Premium (transmitido a partir de hoje pelo serviço MEO da PT sem custo adicional). O próprio AXN (Zona Animax) alinha na programação infantil.
Certo é que os telespectadores estão a encontrar meios alternativos de acesso aos conteúdos, segundo um estudo da Accenture. Esta tendência é acentuada nos mais jovens, considerando que cerca de metade utiliza o telemóvel como plataforma de acesso. As marcas não ficaram à sombra da velha tendência e deitaram mãos ao mercado. Em parceria com a Imaginarium, a TMN criou um telemóvel à medida... dos pais, diga-se a verdade. É colorido e tem um desenho ergonómico adaptado às crianças mas não tem as funcionalidades mil que atraem o público mais novo: as câmaras fotográficas, por exemplo. Mas veio sossegar os progenitores que querem saber por onde andam os rebentos.
'O M01 dá aos pais a garantia de que, independentemente do saldo disponível, a criança pode estar sempre contactável', esclarece Paula Perfeito, da TMN. O aparelho apenas permite fazer e receber chamadas para os números definidos pelos pais e não envia SMS – só recebe'. E são as mensagens escritas que mais lhes agradam. As operadoras agarraram a oportunidade com as SMS a 0 cêntimos. Como os kits ‘vips SMS’ e ‘+pertoSMS’ da TMN, com mensagens grátis entre pessoas da mesma rede, e o Yorn Power Extravaganza, com chamadas, SMS e MMS à borla entre todos os Yorn Power Extravaganza. Os ‘tags’ da Optimus partilham do mesmo estado de graça.
No Japão, o FOMA SA800i - com GPS incorporado -, deu que falar na altura do lançamento. Por cá, em breve chegará a CAM1, 'o único equipamento para crianças que combina a câmara com o mp3 e as funções de telemóvel'. Talvez para as crianças que acharam ‘pouco’ o M01.
80 % DECIDE ATÉ 2010
O prognóstico não é reservado: as crianças serão responsáveis por 80% das compras de uma casa até 2010, calculam as empresas e concordam os pais. Mais, os gastos com os filhos, como educação, alimentação, saúde e diversão, chegam a representar 75% da totalidade do orçamento familiar de uma casa. No Brasil existe, desde 2005, o Projecto Criança e Consumo, do Instituto Alana - foi criado com o objectivo de despertar a sociedade brasileira a respeito das práticas de consumo de produtos e serviços de crianças e adolescentes. A ideia é 'criar meios que minimizem os impactos negativos causados pelo investimento maciço na mercantilização da infância e juventude, como o consumismo, a erotização precoce e a obesidade infantil. O Instituto Alana trabalha em três áreas de forma interdisciplinar: jurídico-institucional (analisa queixas de abusos), educação e comunicação
'A CRIANÇA SÓ SE DEIXA MANIPULAR SE OS PAIS DEIXAREM'
A pedopsiquiatra Ana Vasconcelos não tem dúvidas: 'uma criança só se deixa manipular se os pais se deixarem manipular, porque vive a sociedade de consumo da mesma forma que os pais', explica, sublinhando que 'a notícia é boa' para os que temem os efeitos do marketing dirigido aos mais novos. Também diz que sim, que 'hoje as crianças estão mais expostas' mas não acredita que antes dos 4 anos os miúdos se deixem influenciar, contrariando o ‘pai’ do marketing infantil que diz que durante o estádio sensório-motor (0-2 anos) de Piaget, aos 4 meses, isso pode acontecer. 'A partir dos 4 anos querem as coisas que o amigo tem ou que viram na televisão, o que se explica não só com o desejo do ter mas também o de imitar', explica Ana. Aos pais, a pedopsiquiatra aconselha a 'não recear frustrar as expectativas dos filhos só porque o marketing assim o exige'. Até pela importância de conversar e explicar os argumentos que fazem com que a resposta ao pedido seja um redondo ‘não’. 'A sociedade de consumo tem armadilhas e tendemos a ceder às coisas de que gostamos e não ceder às outras, o que nos deixa sem argumentos válidos'. ‘Mais a sério’, em relação à influência dos mais novos na escolha da casa ou carro, a especialista relaciona com o papel que a criança adquiriu no século XXI. 'A criança é um reizinho e desde que os pais sabem que vão ter um fi-lho tudo passa a girar em volta dele: o poder é-lhe dado mas ele não o tem na realidade, perante responsabilidades tão importantes. Isso acontece quando os pais são reféns de ser pais e mães.' | Marta Martins Silva
O PERFIL DOS PEQUENOS GRANDES CONSUMIDORES
ENTRE OS QUATRO E OS SEIS ANOS
Passam os dias na escola, local para onde vão já com o pequeno-almoço tomado. Nos intervalos conversam sobre os programas que vêem na TV e respectivos heróis. Gostam de jogar à bola, de pintar e de passear ao ar livre. 92% confessa adorar andar de bicicleta.
ALIMENTAÇÃO E PRODUTOS
A maioria (73%) almoça na escola. Prefere massas (93%), salsichas (89%) ou sumos de fruta (88%). O jantar é em casa, e se puderem escolher optam por massa (31%) com salsichas (18%) ou bife (11%) com batatas fritas (18%). Apesar de não gostarem (59%), os pais obrigam-nos a comer legumes. Entre os produtos que escolhem sozinhos destacam-se brinquedos (59%) e guloseimas (53%)
TELEVISÃO E INTERNET
93% vê televisão depois do jantar ou jogam no computador (59%). Panda, TVI e SIC são os canais favoritos. No top de programas, a ‘Floribella’ mantém-se no primeiro lugar. O ‘Noddy’ entrou directamente para o segundo lugar enquanto os ‘Morangos com Açúcar’ desceram ao terceiro. 62% gostam de ver anúncios e a utilização da internet cresceu 7%.
IDOLOS
Os ídolos também mudaram entre a primeira e a segunda edições do estudo. Se em 2005/06 a ‘Barbie’, os D’ZRT e a ‘Floribella’ ocupavam o pódio, agora a ‘Floribella’ subiu ao primeiro lugar e deixou os restantes para o ‘Ruca’ e as ‘Princesas Disney’.
ENTRE OS SETE E OS DEZ ANOS
À semelhança dos mais pequenos, estas crianças passam o dia na escola onde, nos intervalos, fazem jogos de grupo (81%), vão à internet (79%) e ouvem música (84%). Falam sobre os seus temas de interesse, destacando: animais domésticos (46%), desporto (33%) e wrestling (33%). Gostam de falar no MSN e jogar PlayStation.
ALIMENTAÇÃO E PRODUTOS
Geralmente jantam com a família em casa, havendo dias em que os pais os levam a jantar fora e os deixam escolher o local onde comer (77%). Optam por massa (17%) com carne (15%) ou pizzas (15%). Os gelados são escolhidos por 65% das crianças, as guloseimas, 60%, as bolachas, 45%, as batatas fritas, 43%, e os chocolates, 40%. Entra em campo o conceito de mesada. 52% recebem-na em dinheiro e 1% no cartão da escola. 56% popupam, contra os 12% registados em 05/06.
TELEVISÃO E INTERNET
A TVI e o Panda são os canais favoritos desta faixa etária, a que este ano se junta a SIC, destronando o Disney Channel. Os ‘Morangos com Açúcar’ e a ‘Floribella’ mantêm a liderança, seguidos do ‘Wrestling’, que fez sair do pódio o ‘DóRéMi’. Estas crianças começam a revelar um crescente interesse pela internet, que cresce de 31 para 44%, e desinteresse pela televisão. Apesar de também estar em decréscimo, 55% deste miúdos gosta de ver anúncios. Face ao ano anterior há mais 14% dos inquiridos que diz ter telemóvel (um total de 49%). 58% têm internet e 80% TV cabo.
IDOLOS
Enquanto em 2005/06 os ídolos eram os D’ZRT, a ‘Matilde’ e o ‘Tiago’ (dos ‘Morangos com Açúcar’) e a ‘Floribella’, agora foram substituídos pelos lutadores de wrestling como John Cena. Quanto à escolha de produtos, 67% preferem brinquedos, comprados com a mesada, que serve ainda para guloseimas, refeições, a compra de jogos, revistas e sapatos.
CRIANÇAS DE 11 E 12 ANOS
Já não querem ser tratadas como crianças, revelam outros interesses. Um deles é o cinema onde os pais os levam (81%), algumas vezes quando jantam fora e escolhem o local da refeição (88%). Na escola, nos intervalos, aproveitam para falar ao telemóvel, jogar e enviar SMS. É que 80% destes jovens têm telemóvel.
ALIMENTAÇÃO
As guloseimas são exactamente o produto que mais jovens desta idade escolhem sozinhos (59%). Seguem-se os gelados (57%), os brinquedos (51%) e as bolachas e material escolar (47%). Batatas fritas, sumos e chocolates são os produtos que se seguem, sendo escolhidos por 44, 41 e 39% destas crianças, respectivamente. Dos inquiridos, 74% recebem mesada (contra 66% no ano passado). Esse dinheiro é usado em 35% dos casos para guardar no mealheiro, pagar pequeno-almoço/lanche (34%), comprar guloseimas (20%) e revistas (14%).
TELEVISÃO E INTERNET
Depois de jantar, em regra, vêem um pouco de televisão com os pais. Entre os programas eleitos estão as telenovelas e o ‘Wrestling’, na TVI, SIC e SIC Radical. À semelhança das crianças mais novas também estas têm nos ‘Morangos com Açúcar’ um dos programas de eleição. A internet, que existe em 69% das casas dos inquiridos, é usada em situações de lazer, para jogar ou falar com os amigos, mas também para pesquisar informação para a escola.
IDOLOS
Ao contrário do ano passado, em que havia ídolos muito fortes como a ‘Matilde’ e o ‘Tiago’ (44%), a ‘Floribella’ (39%) e o ‘Harry Potter’ (26%), este ano os ídolos não reúnem o consenso de mais de 17% dos entrevistados, no caso da Shakira. Admirados são também o jogador de futebol Cristiano Ronaldo e, mais uma vez, as personagens do universo da luta livre.
No tempo dela, os miúdos ouviam os Queijinhos Frescos. Hoje, Raquel Oliveira, directora de Marketing da Lemon, reconhece que as oportunidades de negócio são fisgadas ainda no útero da mãe. E exigem mais sal e pimenta do que a antiga trupe de Ana Faria. Esta empresa de produção e gestão de conteúdos de entretenimento infantil não hesitou ao lançar o CD ‘As Tuas Músicas’, que permite aos pais personalizar as músicas com o nome do seu rebento. 'Muitas grávidas, mal souberam o sexo e o nome do bebé, compraram o CD', recorda.
O produto, a 17,95 euros, vendeu mais de 15 mil unidades só no Natal de 2006. Além deste projecto, a Lemon detém ‘As Músicas do Noddy’ (mais de 30 mil unidades vendidas), ‘As Canções do Ruca’ e ‘As Músicas do Bob, o Construtor’, outros êxitos de venda, não fossem estes os heróis actuais. 'As crianças são grandes âncoras. O mercado discográfico está em queda mas a crise não afecta o segmento infantil. O adulto pode descarregar a música da net, a criança vive a parte física do CD.'
Mas a principal aposta da agência são os espectáculos ao vivo com personagens das séries de animação infantis, acontecimentos em voga, e com perspectivas de futuro, que têm chamado a atenção das marcas. Estas fazem parelha com as agências apostando na implantação e divulgação dos seus produtos.‘Noddy Live’, o ‘Bob o Construtor ao Vivo’, o ‘Ruca ao Vivo’ e ‘O Meu 1º Festival’. Todos atraíram largos milhares de espectadores. São investimentos 'entre os 400 e os 800 mil euros por projecto', diz Raquel.
Através de parcerias de media conseguem planos de comunicação, que integram TV, rádio, imprensa, outdoors, net e acções de comunicação especiais. 'Com os eventos para toda a família, as marcas têm retornos que nunca alcançariam com o mesmo investimento nos meios tradicionais'.
Se as crianças são o futuro, este chega cada vez mais cedo. Elas fazem parte da chamada ‘now generation’, ou ‘geração agora’, imediata, informada e confiante. De acordo com os estudos do consultor e investigador James McNeal, o ‘pai do marketing infantil’, nos EUA as crianças influenciam cerca de metade das compras familiares de rotina, enquanto que na China cerca de 70%. De um modo geral, a intervenção é maior nos produtos comerciais que regularmente consomem como comida, roupa e brinquedos. Mas influenciam de igual modo em bens duráveis como automóveis, computadores e televisões. Porque também são utilizadores ou virão a sê-lo.
'A maior parte do mercado nacional apercebeu-se do potencial económico do target crianças há relativamente pouco tempo. A criança tende a ser menos racional nas escolhas, o que resulta num cliente mais leal às marcas. É também o mais honesto. Se não gosta demonstra-o', conclui Raquel.
Para a MKids, a proximidade da comunicação entre marcas e famílias é também a prioridade. 'Prestamos atenção ao mercado e propomos acções de comunicação. Comunicamos para as crianças, ou para os pais, quando são mais pequenas', explica Marta Vian Santos. Quanto às marcas que trabalham, não são uma novidade para o público de palmo e meio: Olá, Golden Grahams, Sumol, Chupa Chups, Royal e Família Galaró entram na lista. 'Vários estudos dizem que as crianças influenciam mais nesta ou naquela área. Aos cinco, seis anos, já têm imensa informação'. Não é fácil quantificar o retorno em números, mas há indicadores óbvios do sucesso ou fracasso da comunicação. 'Fazemos o lançamento de um produto pelo País. Se lá voltarmos no ano seguinte as crianças já reconhecem a marca. Numa feira podemos ter uma empresa que investe 100 mil euros ou uma empresa com um só balcão que gasta 1500 euros.'
Quando eles crescem e as atenções se precipitam para os ecrãs dos computadores, a forma de sedução muda de cara. Sites como o MySpace ou Facebook, dominados como ninguém pelos pré-adolescentes, tornam-se um veículo muito desejado pelas marcas e marketeers. 'As crianças influenciam o mais possível. Até aos 14 anos ainda há um elo de ligação com os pais. De início diziam-me que este nicho era complicado mas esta faixa estava esquecida e é superimportante na decisão familiar', explica a directora da revista Giggle, Cláudia Sousa.
A pensar nos ‘tweens’ ou pré-adolescentes, uma faixa intermédia que abrange todos os que se sentem ‘quase crescidos’, a publicação surgiu em simultâneo em dois formatos: a versão papel e em modo on-line 'Não fazia sentido ter só uma revista quando eles tratam a internet por ‘tu’. É um conceito inovador. Falamos para os miúdos entre os 8 e os 14 anos.' Tal como na música, os mais novos voltam a ser a bóia de salvação em tempos de crise. Apesar da quebra nas vendas das publicações infanto-juvenis, segundo a Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação, projectos como a Giggle, lançada no final de 2007, vão dando frutos. Com periodicidade mensal na versão impressa (não sai apenas em Janeiro) e a um preço de dois euros, instalou-se também no portal Clix há menos de um mês. Sugere passeios em família, lança modas, disponibiliza passatempos e apresenta produtos, entre outras actividades.
O apelo das marcas está omnipresente. Os pais dão-lhes ouvidos dentro da lógica da compensação. 'Há algum sentimento de culpa. Os pais fazem por agradar', acredita Cláudia. Nas acções de campo, as marcas entram no terreno a todo o gás. 'Em ateliês de rua ou lojas ligamo-nos à Nickelodean, Bertrand ou Holmes Place. Também temos marcas de forma invisível, casos da Dyrup, Optimus ou Zon'.
Agora imagine-se na televisão, numa série de culto como os ‘Morangos com Açúcar’. Quando a ficção salta dos ecrãs para o merchandising, agências de marketing infantil como a Zero a Oito, orientada para as publicações, licenciamentos, eventos, promoções e projectos dirigidos às escolas, entram em acção. 'Como agentes fazemos todo o serviço para definir o target e para desenvolver negócios paralelos. As marcas tentam sair da TV e desdobrar-se', refere a directora-geral Maria Morais Leitão. Desdobram-se em mochilas, t-shirts, livros e tudo o mais que se possa imaginar. Kits completos que entram na lista de solicitações dos filhos dirigidas aos pais. 'Existe a noção de que este target é muito exigente, informado e com espírito crítico'. Sem avançar números, não é difícil prever que quando há sucesso na caixinha mágica, também o há cá fora, apesar do retorno variar de marca para marca. 'Só existe se a marca vender. As nossas têm bons resultados', confia Maria. Quanto à agência, 'recebe uma percentagem variável do negócio dos royalties'.
Ainda na velha caixinha mágica, a publicidade faz pontaria à programação de teor infanto-juvenil. Nos canais generalistas, é encaixada nas manhãs e fins-de-semana. A RTP 2 é o canal que mais espaço dedica a este alvo. A SIC aposta na popular ‘Floribella’ e no ‘SIC Kids’. Aos sábados e domingos, divide-se entre este programa, o ‘Disney Kids’ e a novela ‘Chiquititas’. A RTP 1 aposta no ‘Espaço Infantil’, e a TVI emite ‘Wrestling’, a coqueluche do momento. No cabo proliferam os canais orientados para as faixas mais jovens, como o Panda, entre os cinco mais vistos da tabela de audiências, o Cartoon Network, o Nickelodeon e o Baby TV (dedicado a bebés com idade inferior a 3 anos), estes disponíveis através do pacote Funtastic Life da TV Cabo. O Disney Channel mantém-se no serviço Premium (transmitido a partir de hoje pelo serviço MEO da PT sem custo adicional). O próprio AXN (Zona Animax) alinha na programação infantil.
Certo é que os telespectadores estão a encontrar meios alternativos de acesso aos conteúdos, segundo um estudo da Accenture. Esta tendência é acentuada nos mais jovens, considerando que cerca de metade utiliza o telemóvel como plataforma de acesso. As marcas não ficaram à sombra da velha tendência e deitaram mãos ao mercado. Em parceria com a Imaginarium, a TMN criou um telemóvel à medida... dos pais, diga-se a verdade. É colorido e tem um desenho ergonómico adaptado às crianças mas não tem as funcionalidades mil que atraem o público mais novo: as câmaras fotográficas, por exemplo. Mas veio sossegar os progenitores que querem saber por onde andam os rebentos.
'O M01 dá aos pais a garantia de que, independentemente do saldo disponível, a criança pode estar sempre contactável', esclarece Paula Perfeito, da TMN. O aparelho apenas permite fazer e receber chamadas para os números definidos pelos pais e não envia SMS – só recebe'. E são as mensagens escritas que mais lhes agradam. As operadoras agarraram a oportunidade com as SMS a 0 cêntimos. Como os kits ‘vips SMS’ e ‘+pertoSMS’ da TMN, com mensagens grátis entre pessoas da mesma rede, e o Yorn Power Extravaganza, com chamadas, SMS e MMS à borla entre todos os Yorn Power Extravaganza. Os ‘tags’ da Optimus partilham do mesmo estado de graça.
No Japão, o FOMA SA800i - com GPS incorporado -, deu que falar na altura do lançamento. Por cá, em breve chegará a CAM1, 'o único equipamento para crianças que combina a câmara com o mp3 e as funções de telemóvel'. Talvez para as crianças que acharam ‘pouco’ o M01.
80 % DECIDE ATÉ 2010
O prognóstico não é reservado: as crianças serão responsáveis por 80% das compras de uma casa até 2010, calculam as empresas e concordam os pais. Mais, os gastos com os filhos, como educação, alimentação, saúde e diversão, chegam a representar 75% da totalidade do orçamento familiar de uma casa. No Brasil existe, desde 2005, o Projecto Criança e Consumo, do Instituto Alana - foi criado com o objectivo de despertar a sociedade brasileira a respeito das práticas de consumo de produtos e serviços de crianças e adolescentes. A ideia é 'criar meios que minimizem os impactos negativos causados pelo investimento maciço na mercantilização da infância e juventude, como o consumismo, a erotização precoce e a obesidade infantil. O Instituto Alana trabalha em três áreas de forma interdisciplinar: jurídico-institucional (analisa queixas de abusos), educação e comunicação
'A CRIANÇA SÓ SE DEIXA MANIPULAR SE OS PAIS DEIXAREM'
A pedopsiquiatra Ana Vasconcelos não tem dúvidas: 'uma criança só se deixa manipular se os pais se deixarem manipular, porque vive a sociedade de consumo da mesma forma que os pais', explica, sublinhando que 'a notícia é boa' para os que temem os efeitos do marketing dirigido aos mais novos. Também diz que sim, que 'hoje as crianças estão mais expostas' mas não acredita que antes dos 4 anos os miúdos se deixem influenciar, contrariando o ‘pai’ do marketing infantil que diz que durante o estádio sensório-motor (0-2 anos) de Piaget, aos 4 meses, isso pode acontecer. 'A partir dos 4 anos querem as coisas que o amigo tem ou que viram na televisão, o que se explica não só com o desejo do ter mas também o de imitar', explica Ana. Aos pais, a pedopsiquiatra aconselha a 'não recear frustrar as expectativas dos filhos só porque o marketing assim o exige'. Até pela importância de conversar e explicar os argumentos que fazem com que a resposta ao pedido seja um redondo ‘não’. 'A sociedade de consumo tem armadilhas e tendemos a ceder às coisas de que gostamos e não ceder às outras, o que nos deixa sem argumentos válidos'. ‘Mais a sério’, em relação à influência dos mais novos na escolha da casa ou carro, a especialista relaciona com o papel que a criança adquiriu no século XXI. 'A criança é um reizinho e desde que os pais sabem que vão ter um fi-lho tudo passa a girar em volta dele: o poder é-lhe dado mas ele não o tem na realidade, perante responsabilidades tão importantes. Isso acontece quando os pais são reféns de ser pais e mães.' | Marta Martins Silva
O PERFIL DOS PEQUENOS GRANDES CONSUMIDORES
ENTRE OS QUATRO E OS SEIS ANOS
Passam os dias na escola, local para onde vão já com o pequeno-almoço tomado. Nos intervalos conversam sobre os programas que vêem na TV e respectivos heróis. Gostam de jogar à bola, de pintar e de passear ao ar livre. 92% confessa adorar andar de bicicleta.
ALIMENTAÇÃO E PRODUTOS
A maioria (73%) almoça na escola. Prefere massas (93%), salsichas (89%) ou sumos de fruta (88%). O jantar é em casa, e se puderem escolher optam por massa (31%) com salsichas (18%) ou bife (11%) com batatas fritas (18%). Apesar de não gostarem (59%), os pais obrigam-nos a comer legumes. Entre os produtos que escolhem sozinhos destacam-se brinquedos (59%) e guloseimas (53%)
TELEVISÃO E INTERNET
93% vê televisão depois do jantar ou jogam no computador (59%). Panda, TVI e SIC são os canais favoritos. No top de programas, a ‘Floribella’ mantém-se no primeiro lugar. O ‘Noddy’ entrou directamente para o segundo lugar enquanto os ‘Morangos com Açúcar’ desceram ao terceiro. 62% gostam de ver anúncios e a utilização da internet cresceu 7%.
IDOLOS
Os ídolos também mudaram entre a primeira e a segunda edições do estudo. Se em 2005/06 a ‘Barbie’, os D’ZRT e a ‘Floribella’ ocupavam o pódio, agora a ‘Floribella’ subiu ao primeiro lugar e deixou os restantes para o ‘Ruca’ e as ‘Princesas Disney’.
ENTRE OS SETE E OS DEZ ANOS
À semelhança dos mais pequenos, estas crianças passam o dia na escola onde, nos intervalos, fazem jogos de grupo (81%), vão à internet (79%) e ouvem música (84%). Falam sobre os seus temas de interesse, destacando: animais domésticos (46%), desporto (33%) e wrestling (33%). Gostam de falar no MSN e jogar PlayStation.
ALIMENTAÇÃO E PRODUTOS
Geralmente jantam com a família em casa, havendo dias em que os pais os levam a jantar fora e os deixam escolher o local onde comer (77%). Optam por massa (17%) com carne (15%) ou pizzas (15%). Os gelados são escolhidos por 65% das crianças, as guloseimas, 60%, as bolachas, 45%, as batatas fritas, 43%, e os chocolates, 40%. Entra em campo o conceito de mesada. 52% recebem-na em dinheiro e 1% no cartão da escola. 56% popupam, contra os 12% registados em 05/06.
TELEVISÃO E INTERNET
A TVI e o Panda são os canais favoritos desta faixa etária, a que este ano se junta a SIC, destronando o Disney Channel. Os ‘Morangos com Açúcar’ e a ‘Floribella’ mantêm a liderança, seguidos do ‘Wrestling’, que fez sair do pódio o ‘DóRéMi’. Estas crianças começam a revelar um crescente interesse pela internet, que cresce de 31 para 44%, e desinteresse pela televisão. Apesar de também estar em decréscimo, 55% deste miúdos gosta de ver anúncios. Face ao ano anterior há mais 14% dos inquiridos que diz ter telemóvel (um total de 49%). 58% têm internet e 80% TV cabo.
IDOLOS
Enquanto em 2005/06 os ídolos eram os D’ZRT, a ‘Matilde’ e o ‘Tiago’ (dos ‘Morangos com Açúcar’) e a ‘Floribella’, agora foram substituídos pelos lutadores de wrestling como John Cena. Quanto à escolha de produtos, 67% preferem brinquedos, comprados com a mesada, que serve ainda para guloseimas, refeições, a compra de jogos, revistas e sapatos.
CRIANÇAS DE 11 E 12 ANOS
Já não querem ser tratadas como crianças, revelam outros interesses. Um deles é o cinema onde os pais os levam (81%), algumas vezes quando jantam fora e escolhem o local da refeição (88%). Na escola, nos intervalos, aproveitam para falar ao telemóvel, jogar e enviar SMS. É que 80% destes jovens têm telemóvel.
ALIMENTAÇÃO
As guloseimas são exactamente o produto que mais jovens desta idade escolhem sozinhos (59%). Seguem-se os gelados (57%), os brinquedos (51%) e as bolachas e material escolar (47%). Batatas fritas, sumos e chocolates são os produtos que se seguem, sendo escolhidos por 44, 41 e 39% destas crianças, respectivamente. Dos inquiridos, 74% recebem mesada (contra 66% no ano passado). Esse dinheiro é usado em 35% dos casos para guardar no mealheiro, pagar pequeno-almoço/lanche (34%), comprar guloseimas (20%) e revistas (14%).
TELEVISÃO E INTERNET
Depois de jantar, em regra, vêem um pouco de televisão com os pais. Entre os programas eleitos estão as telenovelas e o ‘Wrestling’, na TVI, SIC e SIC Radical. À semelhança das crianças mais novas também estas têm nos ‘Morangos com Açúcar’ um dos programas de eleição. A internet, que existe em 69% das casas dos inquiridos, é usada em situações de lazer, para jogar ou falar com os amigos, mas também para pesquisar informação para a escola.
IDOLOS
Ao contrário do ano passado, em que havia ídolos muito fortes como a ‘Matilde’ e o ‘Tiago’ (44%), a ‘Floribella’ (39%) e o ‘Harry Potter’ (26%), este ano os ídolos não reúnem o consenso de mais de 17% dos entrevistados, no caso da Shakira. Admirados são também o jogador de futebol Cristiano Ronaldo e, mais uma vez, as personagens do universo da luta livre.