1.6.08

 

A criança portuguesa e a Publicidade: Quanto vale uma criança?

Quanto vale uma criança é o título da reportagem publicada hoje no jornal Correio da Manhã, realizada pela jornalista Maria Ramos Silva. Pelo seu interesse, fica aqui reproduzida a peça:

No tempo dela, os miúdos ouviam os Queijinhos Frescos. Hoje, Raquel Oliveira, directora de Marketing da Lemon, reconhece que as oportunidades de negócio são fisgadas ainda no útero da mãe. E exigem mais sal e pimenta do que a antiga trupe de Ana Faria. Esta empresa de produção e gestão de conteúdos de entretenimento infantil não hesitou ao lançar o CD ‘As Tuas Músicas’, que permite aos pais personalizar as músicas com o nome do seu rebento. 'Muitas grávidas, mal souberam o sexo e o nome do bebé, compraram o CD', recorda.

O produto, a 17,95 euros, vendeu mais de 15 mil unidades só no Natal de 2006. Além deste projecto, a Lemon detém ‘As Músicas do Noddy’ (mais de 30 mil unidades vendidas), ‘As Canções do Ruca’ e ‘As Músicas do Bob, o Construtor’, outros êxitos de venda, não fossem estes os heróis actuais. 'As crianças são grandes âncoras. O mercado discográfico está em queda mas a crise não afecta o segmento infantil. O adulto pode descarregar a música da net, a criança vive a parte física do CD.'

Mas a principal aposta da agência são os espectáculos ao vivo com personagens das séries de animação infantis, acontecimentos em voga, e com perspectivas de futuro, que têm chamado a atenção das marcas. Estas fazem parelha com as agências apostando na implantação e divulgação dos seus produtos.‘Noddy Live’, o ‘Bob o Construtor ao Vivo’, o ‘Ruca ao Vivo’ e ‘O Meu 1º Festival’. Todos atraíram largos milhares de espectadores. São investimentos 'entre os 400 e os 800 mil euros por projecto', diz Raquel.

Através de parcerias de media conseguem planos de comunicação, que integram TV, rádio, imprensa, outdoors, net e acções de comunicação especiais. 'Com os eventos para toda a família, as marcas têm retornos que nunca alcançariam com o mesmo investimento nos meios tradicionais'.

Se as crianças são o futuro, este chega cada vez mais cedo. Elas fazem parte da chamada ‘now generation’, ou ‘geração agora’, imediata, informada e confiante. De acordo com os estudos do consultor e investigador James McNeal, o ‘pai do marketing infantil’, nos EUA as crianças influenciam cerca de metade das compras familiares de rotina, enquanto que na China cerca de 70%. De um modo geral, a intervenção é maior nos produtos comerciais que regularmente consomem como comida, roupa e brinquedos. Mas influenciam de igual modo em bens duráveis como automóveis, computadores e televisões. Porque também são utilizadores ou virão a sê-lo.

'A maior parte do mercado nacional apercebeu-se do potencial económico do target crianças há relativamente pouco tempo. A criança tende a ser menos racional nas escolhas, o que resulta num cliente mais leal às marcas. É também o mais honesto. Se não gosta demonstra-o', conclui Raquel.

Para a MKids, a proximidade da comunicação entre marcas e famílias é também a prioridade. 'Prestamos atenção ao mercado e propomos acções de comunicação. Comunicamos para as crianças, ou para os pais, quando são mais pequenas', explica Marta Vian Santos. Quanto às marcas que trabalham, não são uma novidade para o público de palmo e meio: Olá, Golden Grahams, Sumol, Chupa Chups, Royal e Família Galaró entram na lista. 'Vários estudos dizem que as crianças influenciam mais nesta ou naquela área. Aos cinco, seis anos, já têm imensa informação'. Não é fácil quantificar o retorno em números, mas há indicadores óbvios do sucesso ou fracasso da comunicação. 'Fazemos o lançamento de um produto pelo País. Se lá voltarmos no ano seguinte as crianças já reconhecem a marca. Numa feira podemos ter uma empresa que investe 100 mil euros ou uma empresa com um só balcão que gasta 1500 euros.'

Quando eles crescem e as atenções se precipitam para os ecrãs dos computadores, a forma de sedução muda de cara. Sites como o MySpace ou Facebook, dominados como ninguém pelos pré-adolescentes, tornam-se um veículo muito desejado pelas marcas e marketeers. 'As crianças influenciam o mais possível. Até aos 14 anos ainda há um elo de ligação com os pais. De início diziam-me que este nicho era complicado mas esta faixa estava esquecida e é superimportante na decisão familiar', explica a directora da revista Giggle, Cláudia Sousa.

A pensar nos ‘tweens’ ou pré-adolescentes, uma faixa intermédia que abrange todos os que se sentem ‘quase crescidos’, a publicação surgiu em simultâneo em dois formatos: a versão papel e em modo on-line 'Não fazia sentido ter só uma revista quando eles tratam a internet por ‘tu’. É um conceito inovador. Falamos para os miúdos entre os 8 e os 14 anos.' Tal como na música, os mais novos voltam a ser a bóia de salvação em tempos de crise. Apesar da quebra nas vendas das publicações infanto-juvenis, segundo a Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação, projectos como a Giggle, lançada no final de 2007, vão dando frutos. Com periodicidade mensal na versão impressa (não sai apenas em Janeiro) e a um preço de dois euros, instalou-se também no portal Clix há menos de um mês. Sugere passeios em família, lança modas, disponibiliza passatempos e apresenta produtos, entre outras actividades.

O apelo das marcas está omnipresente. Os pais dão-lhes ouvidos dentro da lógica da compensação. 'Há algum sentimento de culpa. Os pais fazem por agradar', acredita Cláudia. Nas acções de campo, as marcas entram no terreno a todo o gás. 'Em ateliês de rua ou lojas ligamo-nos à Nickelodean, Bertrand ou Holmes Place. Também temos marcas de forma invisível, casos da Dyrup, Optimus ou Zon'.

Agora imagine-se na televisão, numa série de culto como os ‘Morangos com Açúcar’. Quando a ficção salta dos ecrãs para o merchandising, agências de marketing infantil como a Zero a Oito, orientada para as publicações, licenciamentos, eventos, promoções e projectos dirigidos às escolas, entram em acção. 'Como agentes fazemos todo o serviço para definir o target e para desenvolver negócios paralelos. As marcas tentam sair da TV e desdobrar-se', refere a directora-geral Maria Morais Leitão. Desdobram-se em mochilas, t-shirts, livros e tudo o mais que se possa imaginar. Kits completos que entram na lista de solicitações dos filhos dirigidas aos pais. 'Existe a noção de que este target é muito exigente, informado e com espírito crítico'. Sem avançar números, não é difícil prever que quando há sucesso na caixinha mágica, também o há cá fora, apesar do retorno variar de marca para marca. 'Só existe se a marca vender. As nossas têm bons resultados', confia Maria. Quanto à agência, 'recebe uma percentagem variável do negócio dos royalties'.

Ainda na velha caixinha mágica, a publicidade faz pontaria à programação de teor infanto-juvenil. Nos canais generalistas, é encaixada nas manhãs e fins-de-semana. A RTP 2 é o canal que mais espaço dedica a este alvo. A SIC aposta na popular ‘Floribella’ e no ‘SIC Kids’. Aos sábados e domingos, divide-se entre este programa, o ‘Disney Kids’ e a novela ‘Chiquititas’. A RTP 1 aposta no ‘Espaço Infantil’, e a TVI emite ‘Wrestling’, a coqueluche do momento. No cabo proliferam os canais orientados para as faixas mais jovens, como o Panda, entre os cinco mais vistos da tabela de audiências, o Cartoon Network, o Nickelodeon e o Baby TV (dedicado a bebés com idade inferior a 3 anos), estes disponíveis através do pacote Funtastic Life da TV Cabo. O Disney Channel mantém-se no serviço Premium (transmitido a partir de hoje pelo serviço MEO da PT sem custo adicional). O próprio AXN (Zona Animax) alinha na programação infantil.

Certo é que os telespectadores estão a encontrar meios alternativos de acesso aos conteúdos, segundo um estudo da Accenture. Esta tendência é acentuada nos mais jovens, considerando que cerca de metade utiliza o telemóvel como plataforma de acesso. As marcas não ficaram à sombra da velha tendência e deitaram mãos ao mercado. Em parceria com a Imaginarium, a TMN criou um telemóvel à medida... dos pais, diga-se a verdade. É colorido e tem um desenho ergonómico adaptado às crianças mas não tem as funcionalidades mil que atraem o público mais novo: as câmaras fotográficas, por exemplo. Mas veio sossegar os progenitores que querem saber por onde andam os rebentos.

'O M01 dá aos pais a garantia de que, independentemente do saldo disponível, a criança pode estar sempre contactável', esclarece Paula Perfeito, da TMN. O aparelho apenas permite fazer e receber chamadas para os números definidos pelos pais e não envia SMS – só recebe'. E são as mensagens escritas que mais lhes agradam. As operadoras agarraram a oportunidade com as SMS a 0 cêntimos. Como os kits ‘vips SMS’ e ‘+pertoSMS’ da TMN, com mensagens grátis entre pessoas da mesma rede, e o Yorn Power Extravaganza, com chamadas, SMS e MMS à borla entre todos os Yorn Power Extravaganza. Os ‘tags’ da Optimus partilham do mesmo estado de graça.

No Japão, o FOMA SA800i - com GPS incorporado -, deu que falar na altura do lançamento. Por cá, em breve chegará a CAM1, 'o único equipamento para crianças que combina a câmara com o mp3 e as funções de telemóvel'. Talvez para as crianças que acharam ‘pouco’ o M01.

80 % DECIDE ATÉ 2010

O prognóstico não é reservado: as crianças serão responsáveis por 80% das compras de uma casa até 2010, calculam as empresas e concordam os pais. Mais, os gastos com os filhos, como educação, alimentação, saúde e diversão, chegam a representar 75% da totalidade do orçamento familiar de uma casa. No Brasil existe, desde 2005, o Projecto Criança e Consumo, do Instituto Alana - foi criado com o objectivo de despertar a sociedade brasileira a respeito das práticas de consumo de produtos e serviços de crianças e adolescentes. A ideia é 'criar meios que minimizem os impactos negativos causados pelo investimento maciço na mercantilização da infância e juventude, como o consumismo, a erotização precoce e a obesidade infantil. O Instituto Alana trabalha em três áreas de forma interdisciplinar: jurídico-institucional (analisa queixas de abusos), educação e comunicação

'A CRIANÇA SÓ SE DEIXA MANIPULAR SE OS PAIS DEIXAREM'

A pedopsiquiatra Ana Vasconcelos não tem dúvidas: 'uma criança só se deixa manipular se os pais se deixarem manipular, porque vive a sociedade de consumo da mesma forma que os pais', explica, sublinhando que 'a notícia é boa' para os que temem os efeitos do marketing dirigido aos mais novos. Também diz que sim, que 'hoje as crianças estão mais expostas' mas não acredita que antes dos 4 anos os miúdos se deixem influenciar, contrariando o ‘pai’ do marketing infantil que diz que durante o estádio sensório-motor (0-2 anos) de Piaget, aos 4 meses, isso pode acontecer. 'A partir dos 4 anos querem as coisas que o amigo tem ou que viram na televisão, o que se explica não só com o desejo do ter mas também o de imitar', explica Ana. Aos pais, a pedopsiquiatra aconselha a 'não recear frustrar as expectativas dos filhos só porque o marketing assim o exige'. Até pela importância de conversar e explicar os argumentos que fazem com que a resposta ao pedido seja um redondo ‘não’. 'A sociedade de consumo tem armadilhas e tendemos a ceder às coisas de que gostamos e não ceder às outras, o que nos deixa sem argumentos válidos'. ‘Mais a sério’, em relação à influência dos mais novos na escolha da casa ou carro, a especialista relaciona com o papel que a criança adquiriu no século XXI. 'A criança é um reizinho e desde que os pais sabem que vão ter um fi-lho tudo passa a girar em volta dele: o poder é-lhe dado mas ele não o tem na realidade, perante responsabilidades tão importantes. Isso acontece quando os pais são reféns de ser pais e mães.' | Marta Martins Silva

O PERFIL DOS PEQUENOS GRANDES CONSUMIDORES

ENTRE OS QUATRO E OS SEIS ANOS

Passam os dias na escola, local para onde vão já com o pequeno-almoço tomado. Nos intervalos conversam sobre os programas que vêem na TV e respectivos heróis. Gostam de jogar à bola, de pintar e de passear ao ar livre. 92% confessa adorar andar de bicicleta.

ALIMENTAÇÃO E PRODUTOS

A maioria (73%) almoça na escola. Prefere massas (93%), salsichas (89%) ou sumos de fruta (88%). O jantar é em casa, e se puderem escolher optam por massa (31%) com salsichas (18%) ou bife (11%) com batatas fritas (18%). Apesar de não gostarem (59%), os pais obrigam-nos a comer legumes. Entre os produtos que escolhem sozinhos destacam-se brinquedos (59%) e guloseimas (53%)

TELEVISÃO E INTERNET

93% vê televisão depois do jantar ou jogam no computador (59%). Panda, TVI e SIC são os canais favoritos. No top de programas, a ‘Floribella’ mantém-se no primeiro lugar. O ‘Noddy’ entrou directamente para o segundo lugar enquanto os ‘Morangos com Açúcar’ desceram ao terceiro. 62% gostam de ver anúncios e a utilização da internet cresceu 7%.

IDOLOS

Os ídolos também mudaram entre a primeira e a segunda edições do estudo. Se em 2005/06 a ‘Barbie’, os D’ZRT e a ‘Floribella’ ocupavam o pódio, agora a ‘Floribella’ subiu ao primeiro lugar e deixou os restantes para o ‘Ruca’ e as ‘Princesas Disney’.

ENTRE OS SETE E OS DEZ ANOS

À semelhança dos mais pequenos, estas crianças passam o dia na escola onde, nos intervalos, fazem jogos de grupo (81%), vão à internet (79%) e ouvem música (84%). Falam sobre os seus temas de interesse, destacando: animais domésticos (46%), desporto (33%) e wrestling (33%). Gostam de falar no MSN e jogar PlayStation.

ALIMENTAÇÃO E PRODUTOS

Geralmente jantam com a família em casa, havendo dias em que os pais os levam a jantar fora e os deixam escolher o local onde comer (77%). Optam por massa (17%) com carne (15%) ou pizzas (15%). Os gelados são escolhidos por 65% das crianças, as guloseimas, 60%, as bolachas, 45%, as batatas fritas, 43%, e os chocolates, 40%. Entra em campo o conceito de mesada. 52% recebem-na em dinheiro e 1% no cartão da escola. 56% popupam, contra os 12% registados em 05/06.

TELEVISÃO E INTERNET

A TVI e o Panda são os canais favoritos desta faixa etária, a que este ano se junta a SIC, destronando o Disney Channel. Os ‘Morangos com Açúcar’ e a ‘Floribella’ mantêm a liderança, seguidos do ‘Wrestling’, que fez sair do pódio o ‘DóRéMi’. Estas crianças começam a revelar um crescente interesse pela internet, que cresce de 31 para 44%, e desinteresse pela televisão. Apesar de também estar em decréscimo, 55% deste miúdos gosta de ver anúncios. Face ao ano anterior há mais 14% dos inquiridos que diz ter telemóvel (um total de 49%). 58% têm internet e 80% TV cabo.

IDOLOS

Enquanto em 2005/06 os ídolos eram os D’ZRT, a ‘Matilde’ e o ‘Tiago’ (dos ‘Morangos com Açúcar’) e a ‘Floribella’, agora foram substituídos pelos lutadores de wrestling como John Cena. Quanto à escolha de produtos, 67% preferem brinquedos, comprados com a mesada, que serve ainda para guloseimas, refeições, a compra de jogos, revistas e sapatos.

CRIANÇAS DE 11 E 12 ANOS

Já não querem ser tratadas como crianças, revelam outros interesses. Um deles é o cinema onde os pais os levam (81%), algumas vezes quando jantam fora e escolhem o local da refeição (88%). Na escola, nos intervalos, aproveitam para falar ao telemóvel, jogar e enviar SMS. É que 80% destes jovens têm telemóvel.

ALIMENTAÇÃO

As guloseimas são exactamente o produto que mais jovens desta idade escolhem sozinhos (59%). Seguem-se os gelados (57%), os brinquedos (51%) e as bolachas e material escolar (47%). Batatas fritas, sumos e chocolates são os produtos que se seguem, sendo escolhidos por 44, 41 e 39% destas crianças, respectivamente. Dos inquiridos, 74% recebem mesada (contra 66% no ano passado). Esse dinheiro é usado em 35% dos casos para guardar no mealheiro, pagar pequeno-almoço/lanche (34%), comprar guloseimas (20%) e revistas (14%).

TELEVISÃO E INTERNET

Depois de jantar, em regra, vêem um pouco de televisão com os pais. Entre os programas eleitos estão as telenovelas e o ‘Wrestling’, na TVI, SIC e SIC Radical. À semelhança das crianças mais novas também estas têm nos ‘Morangos com Açúcar’ um dos programas de eleição. A internet, que existe em 69% das casas dos inquiridos, é usada em situações de lazer, para jogar ou falar com os amigos, mas também para pesquisar informação para a escola.

IDOLOS

Ao contrário do ano passado, em que havia ídolos muito fortes como a ‘Matilde’ e o ‘Tiago’ (44%), a ‘Floribella’ (39%) e o ‘Harry Potter’ (26%), este ano os ídolos não reúnem o consenso de mais de 17% dos entrevistados, no caso da Shakira. Admirados são também o jogador de futebol Cristiano Ronaldo e, mais uma vez, as personagens do universo da luta livre.

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