11.12.05

 

Consumidores não se medem aos palmos

Um artigo interessante que veio no Diário Económico, onde se pode ver como a publicidade e alguns media vêem as crianças como consumidores e alvos ("targets") na sua comunicação.



São de palmo e meio mas a sua opinião é muitas vezes determinante. As crianças são consumidores exigentes que reclamam linguagens e estratégias específicas. Muitas marcas estão em campo para conquistar miúdos e convencer graúdos.

Mais do que “potenciais consumidores” as crianças são agora “consumidores” no pleno sentido da palavra. Para os conquistar há que usar todas as armas de sedução, no entanto, não se pense que esta é uma tarefa fácil! Estes pequenos clientes são tão rápidos a aprovar um produto como a rejeitá-lo.
Maria Morais Leitão, directora da Zero a Oito, uma empresa especializada em marketing infantil - que conta com clientes como o Funcenter, a Olá, o Batatoon e o Modelo e Continente -, assegura que as crianças são “um ‘target’ muito exigente que quando não gosta rejeita, não há a análise que existe com os adultos”. Subdividido em diferentes grupos etários, este público-alvo representa uma dificuldade acrescida já que às diferentes idades correspondem distintas formas de percepção. “São muito diversificados, porque cada idade tem um determinado tipo de características”, explica Maria. Foi esta diversidade que levou a Danone a optar por duas estratégias e duas caras diferentes para divulgar os seus produtos dirigidos ao ‘target’ infantil. O Uaga e o Dinossauro Azul - mascote dos iogurtes Dononinho - representam duas linhas de comunicação, a primeira para crianças a partir dos seis anos e a segunda para os mais novos. Madalena Alves, marketing manager das marcas Danone para crianças, lembra que é importante não descurar a influência que a mãe tem num ‘target’ mais infantil. Neste sentido, a empresa de iogurtes está a recuperar uma promoção, levada a cabo no ano passado, e que consiste na oferta de imanes para o frigorífico em forma de letras. “É uma forma de ensinar divertida para a mãe e uma maneira divertida de aprender para as crianças, desta forma pretendemos conquistar os dois”, justifica Madalena Alves.
Comunicar com os pequenos consumidores é tudo menos uma “coisa de miúdos”, Maria Morais Leitão chama a atenção para a necessidade de tornar a comunicação divertida, “não podemos fazer uma comunicação simples, temos de a pensar como um processo lúdico”.

Minha mascote, meu amigo

“Associar a marca a uma personagem que eles gostem é uma boa opção.” Esta é não só a opinião de Maria Morais Leitão, mas também de muitas marcas que criaram mascotes próprias ou se associaram aos bonecos mais populares entre os infantes. Exemplo disso foi o catálogo de moda La Redoute, que associou alguns dos seus produtos ao Batatoon e às personagens da Olá, também elas criadas para promover a marca de gelados. De resto, o Batatoon, que começou por ser o nome de um programa infantil da TVI, acabou por se tornar o mote para o lançamento de uma série de produtos, entre revistas, peluches e material escolar. Para Maria Morais Leitão, o segredo do sucesso da personagem Batatinha teve a ver com o retorno à linguagem do circo por contra ponto ao “estilo Pokémon” (para os que nunca ouviram falar, é um desenho animado japonês ligado a um imaginário futurista e tecnológico). Em representação do Uaga e do Dinossauro Azul, Madalena Alves defende que, para terem sucesso junto das crianças, estas personagens precisam de ser “fortes, amigas e conseguir divertir”.
Para cair nas graças dos miúdos é necessário ter bem presente a importância da coerência na mensagem, “tem que haver uma consistência entre a marca e a linguagem utilizada. Quando se trata do Batatoon tem de haver palhaçada e divertimento, já a Leopoldina é uma personagem mais maternal e ternurenta”, afirma a directora da Zero a Oito. Maria Morais Leitão desmistifica, ainda, a ideia de que quando se trata de crianças tudo deverá ser colorido, recorrendo ao exemplo das caixas de magia que serão lançadas com o nome do ilusionista Luís de Matos: “Essa coerência dita que, neste produtos, haja alguma ausência de cor.”

Mãe eu quero!!!

Não há como fechar os olhos! A influência dos filhos nas decisões de compra dos adultos está à vista de todos, mães e pais consultam as crianças na hora de planear as actividades e permitem-lhes ajudar a escolher a que restaurante ir ou onde passar as férias. Além disso, dificilmente os pequenos abdicam da escolha do seu lanche e dos brinquedos.
No que respeita a alimentos, roupa, produtos de beleza, artigos escolares e tecnológicos os pequenos têm, frequentemente, voto na matéria. Estudos de empresas americanas (Pen, Schoen & Berland, Intelliquest e NPD Group) indicam que as crianças influenciam 43% das compras dos seus pais. Maria Morais Leitão acredita mesmo que “a influência das crianças no processo de decisão familiar é uma das grandes modificações dos nossos tempos”. A ‘marketer’ refere um estudo da Deco que indica que os pais passam cada vez menos tempo com os filhos e que o consumo de alguns produtos para crianças resulta de uma tentativa de compensação por esse facto.
Já a Marketing Manager da Danone vai mais longe, afirmando que as “as crianças decidem cada vez mais cedo”. Ainda assim, a palavra final continua a ser dos país, principalmente até à entrada das crianças para a escola primária, “até aos cinco e seis anos todas as decisões de compra são feitas pela mãe”, confirma Madalena Alves. “ Os pais não podem ter a sensação de que os miúdos estão a ser utilizados comercialmente. É preciso que sintam que aquele produto terá, de alguma forma, algo de bom para a criança porque lhe ensina alguma coisa ou simplesmente porque a faz sorrir” diz Maria Morais Leitão. Por este motivo, muitas marcas têm procurado associar-se a eventos desportivos ou pedagógicos. Seguindo o ditado popular: “quem meus filhos beija, minha boca adoça”, algumas cadeias de hipermercados criaram clubes para crianças (ver caixa) e marcas de produtos alimentares organizam eventos desportivos.

Caixinha mágica e eficaz

“Embora lá em casa não houvesse grande encanto pela publicidade, para surpresa nossa, quando no fim de cada programa baixávamos o som da televisão, os miúdos vinha a correr de qualquer sítio onde estivessem, motivados pela publicidade. Mais tarde, percebi que eles tinham razão. Não do ponto de vista dos conteúdos, mas do ponto de vista estético e técnico há uma qualidade superior na construção dos anúncios”. Foi esta constatação que serviu de mote ao trabalho “A televisão no quotidiano das crianças”, realizado por Manuel Pinto, professor na Universidade do Minho. O estudo levou-o a acreditar que, apesar de importante, por si só o ‘input’ publicitário não é suficiente para produzir resultados no comportamento das crianças, “são necessárias outras condições, o efeito é mais efectivo quanto mais isolada estiver a criança”, explica.
Inquestionável, o impacto da televisão torna-a no mais forte e imediato meio de divulgação. Maria Morais Leitão está convicta de que a televisão é “de longe” o veículo mais forte, “com resultados mais rápidos e imediatos”, reitera. A mesma ideia é defendida por Madalena Alves que sublinha “para conseguirmos números acabamos por ir para a televisão”.
No seu estudo acerca das crianças e da televisão, a Deco concluiu que para promover os produtos são utilizadas algumas estratégias, como brindes, desenhos animados e a imagem da mãe. Um terço dos anúncios recorre a desenhos animados, na mesma proporção existem anúncio cuja mensagem nutricional pode ser interpretada de forma a levar a comportamentos errados. A Deco refere, ainda, que marcas como Kinder, Nestlé, Sunquik, Phoskitos e Um Bongo utilizam como estratégia apresentar a mãe a aprovar e recomendar estes produtos às crianças.

Clubes de crianças para atrair adultos

Os clubes para as crianças são uma estratégia assumida pelas principais empresas de distribuição. Oferecem brincadeira, educação, brindes e são um excelente instrumento de fidelização de clientes. O Jumbo formou o clube Rik e Rok, o Carrefour fundou o Clube da Malta e a Modelo e Continente, delegou à Leopoldina e à turma do Modelo a função de atrair as crianças para as suas superfícies. Estes são investimentos que comprovam a importância do ‘target’ criança. Afinal, um dos melhores caminhos para chegar até aos pais será sempre conquistando os mais pequenos.

Coisas sérias a brincar

A campanha do MG Mini, um produto do Montepio Geral para crianças, é o exemplo de uma estratégia que integra personagens, brindes, componente pedagógica e comunicação lúdica. O MG associou-se ao Noddy, que pela sua grande aceitação junto ao público infantil justificou a escolha. Fonte oficial da instituição bancária lembra que “o facto do número de filhos, por família, ter diminuído em Portugal tem aumentado o protagonismo das crianças no seio das famílias”. Para conquistar os mais pequenos, a subscrição de cada um dos produtos que integram a oferta MG Mini dá direito a vários prémios (figuras do Noddy em cromos coleccionáveis numa caderneta e um mealheiro). “À medida que as poupanças na conta a prazo vão crescendo, as crianças ganham livros, CDs e bicicletas do Noddy”. Fugindo aos efeitos da “caixinha mágica”, o MG optou por fazer a divulgação do produto na imprensa e na rádio e levou ao palco, em Lisboa e no Porto, uma peça de teatro dirigida às crianças, que relata as aventuras do Pelicano Zezé e do Pinguim Loris.

Obesidade: será culpa da publicidade?

A Organização Mundial de Saúde alertou para a ligação entre a publicidade dirigida às crianças e o aumento da obesidade no segmento infantil. Neste mesmo sentido, um estudo da Deco veio dizer que “aquilo que as crianças menos devem consumir é o que mais passa nos anúncios”. De acordo com a associação de defesa do consumidor, “durante a programação infantil a maioria dos anúncio mostra bolos, bolachas, cereais de pequeno-almoço açucarados e aperitivos salgados”.
A abundância de publicidade “pouco saudável” motivou a Associação Portuguesa de Anunciantes (APAN) a desenhar um código com regras no que toca à publicidade dirigida a menores. O documento final será apresentado numa cerimónia pública, na última semana de Setembro, revelou ao DE Barata Simões, secretário-geral da APAN. O código deverá recomendar anúncios que não incentivem o consumo desregrado de produtos alimentares, tendo como directriz o apelo à moderação, afirma o dirigente da associação. Além disso, “há um conjunto de princípios que devem ser respeitados no que se refere às imagens de violência física e psicológica, por exemplo, nas auto-promoções dos canais a filmes, que não devem ser passados nos horários das crianças”, continua. A RTP já confirmou que será subscritora e, de acordo com Barata Simões, tudo indica que os outros canais abertos lhe seguirão os passos. De resto, o dirigente da associação revela que nenhum dos associados levantou qualquer reserva à subscrição do código.

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